Páginas

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Resenha: O Morro dos Ventos Uivantes

Wuthering Heights

Vou falar um pouquinho sobre O Morro dos Ventos Uivantes, um romance escrito no século XVIII, por Emily Brontë , escritora e poetisa, que morreu muito jovem, aos 30 anos, um ano após a publicação de seu único livro e que ainda hoje é considerado um clássico da literatura.
Ao começar a leitura há cerca de um ano atrás o achei meio entediante, não foi um enredo que me prendeu logo de cara, mas me esforcei para continuar. No entanto,  acabei lendo outros livros que me cativaram mais e esse foi deixado de lado.  Somente há uma semana resolvi retomá-lo e dar a ele um voto de confiança, afinal “é um clássico” !
Para minha alegria, em determinado momento a história “engrenou” e conseguiu me prender, momento em que passa a acontecer a contação da história dos protagonistas Heathcliff e Catherine, o que foi justificando a confusão que é o início do livro com nomes e sobrenosmes. Em três dias terminei (muito tempo para mim). Precisei de uns dias para digerir e me decidir se gostei ou não . Se fosse julgar pelo senso comum, diria que não gostei, afinal busco nos livros uma felicidade instantânea, principalmente se tratando de romances, pois sim, sou uma romântica incurável.
 No entanto, analisando a obra, como profissional de Letras pude considerar outros fatores.  É um livro bastante denso, que aborda diversos assuntos da existência humana, como o amor idealizado e proibido, o ódio, a vingança, a inveja, a submissão feminina, tudo isso com uma boa dose de brutalidade e ausência de compaixão. Em torno de um amor de infância que se transforma em um triângulo amoroso, que acaba por dar origem a outra história de amor, um tanto quanto conturbada. Tudo isso dentro do espaço de duas propriedades, O morro dos ventos Uivantes e A Granja dos Tordos.
É sem dúvida um livro muito  rico de detalhes e na abordagem  de diferentes sentimentos e atitudes humanas na construção do amor que sobrevive mesmo após a morte.


Inajara Garijo Facchini

terça-feira, 30 de julho de 2013

MARIO QUINTANA

POETA DA SIMPLICIDADE
por Inajara Garijo Facchini

Hoje, 30 de julho, comemoramos o nascimento de um dos maiores e mais queridos escritores de todos os tempos, Mario Quintana, e por ser um dos meus favoritos, não podia deixar de lembrá-lo no dia de hoje.           

 Conhecido como o “Poeta das coisas simples”, nasceu no Rio Grande do Sul, foi jornalista, escritor e tradutor de diversos livros. Abordava em seus textos temas cotidianos com ironia e certa dose de humor.

Talvez, devido a essa simplicidade e proximidade com os sentimentos comuns, atualmente é famoso até em redes sociais, através de compartilhamentos de seus poemas e frases tão famosas e populares.

 Desde que conheci seus textos e sua história, me apaixonei por esse velhinho de sorriso meigo e contagiante e acredito que quem tem acesso à sua obra também se identifica de alguma forma.
               
 Mario Quintana, um artista da palavra, que tinha a habilidade de traduzir em palavras a essência da vida, abordando temas diversos como amor, amizade, morte, felicidade ou simplesmente fazendo uma reflexão sobre a vida.

Agora, para ilustrar minha humilde homenagem, nada mais adequado do que desfrutarmos de alguns de seus muitos e maravilhosos textos.



Um dia você aprende - Mário Quintana

Um dia você aprende que deve obedecer.
Um dia você aprende que não pode ter tudo o que quer, que gente que tem orgulho próprio é chato e que se deve ser solidário. Que você não deve confiar em ninguém, que deve 'fazer o bem sem olhar a quem', que, se for menino, não chora e que, se for menina, deve se preservar. Você vê que a vida é só uma e que deve aproveitá-la.
Você aprende que deve-se pensar duas vezes antes de tomar qualquer atitude. Você aprende que deve aprender com seus erros e aprende que raramente aprende com seus erros. Você aprende a se contradizer, você aprende a mudar de ideia, você aprende a se calar, você aprende a aceitar. Aprende que deve lutar pelos seus ideais. Aprende que deve sonhar e que deve ter os pés no chão.
Você percebe que quem imita os outros não tem personalidade e que quem é autêntico é esquisito e excluído. Você aprende que as pessoas podem ser muito cruéis. Que as pessoas podem dar tudo de si mesmas para ajudar. Você aprende que sentir ciúmes é ruim. Você aprende que quem não sente ciúmes é desleixado.
Aprende que não deve se preocupar muito com as coisas. Aprende que não deve deixar a vida correr solta. Que o maior tesouro são os amigos e que você perde os amigos. E ao perder, ainda jogam na sua cara que não era uma amizade verdadeira. Que os outros te julgam e que você não deve julgar ninguém. Que deve-se olhar além das aparências. Que as pessoas te julgam pelo que você aparenta. Que dinheiro importa. Que amor acaba. Que amor verdadeiro não acaba. Que não existe amor verdadeiro. Que dinheiro não trás felicidade.
Aprende que quanto mais você se esforça, mais insuficiente parece ser. E que não se deve desistir dos sonhos. Também, que se deve desistir de coisas que não se consegue depois de tentar muito. Aprende que a vida é curta. Aprende que você ainda tem a vida toda pela frente. Aprende que há burrices como preconceito e discriminação. Aprende que sente preconceito. Aprende que julga os outros e aprende que se deve aprender a tratar as pessoas igualmente. Aprende que as pessoas não são iguais. Aprende que somos iguais. E que alguns são mais iguais que os outros.
Aprende que não pode errar e que não se acerta sempre.
Aprende que cantar faz bem. Aprende que pode-se ser altamente repreendido por cantar. Aprende que dançar é bom e que as pessoas podem te repreender por dançar. Aprende que as pessoas te magoam sem nem precisarem de um motivo. E que podem fazer comentários como se você não se importasse com aquilo.
Aprende que quando a pessoa é fora dos padrões ela se sente ofendida quando lhe falam isso. Aprende que as pessoas são fora dos padrões e fingem não se importar. Que fazer piadas é legal e que é melhor fazê-las do que manter a amizade. E que quem não aceita as piadas são tolos. Que a sinceridade é utópica e desnecessária. Que sinceridade é tudo. Que confiança se perde fácil.
Aprende que por mais que tente o contrário, um dia vai magoar alguém. Aprende que com conversas tudo se resolve. Aprende que tem gente que não sabe conversar e que nessas conversas, as palavras podem funcionar como armas.
Aprende que de repente as palavras podem significar nada, algo muito importante ou várias coisas. Aprende que alguns momentos são inúteis... e que outros, que parecem ser tão simples, mudam tudo.
No fim, você aprende que tudo o que você aprende chega a um belo resultado: aporia.


O Trágico Dilema

Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.

[Mario Quintana; Caderno H, 1973]



Os velhinhos


Como os velhinhos - quando uns bons velhinhos
São belos, apesar de tudo!
Decerto deve vir uma luz de dentro deles...
Que bem nos faz sua presença!
Cada um deles é o próprio avô
Daquele menininho que durante a vida inteira
Não conseguiu jamais morrer dentro de nós!

[Mario Quintana; Velório sem defunto, 1990]

http://www.youtube.com/watch?v=473CuobszBc

http://www.youtube.com/watch?v=QeH90f3CSNc

http://www.youtube.com/watch?v=8XX03nRFJD4

http://www.youtube.com/watch?v=M8FC1hpL3Fk

http://www.youtube.com/watch?v=8XX03nRFJD4


domingo, 16 de junho de 2013

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM COM FOCO NA LEITURA

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM COM FOCO NA LEITURA

Meu Primeiro Beijo
de Antonio Barreto

É difícil acreditar, mas meu primeiro beijo foi num ônibus, na volta da escola. E sabem 
com quem? Com o Cultura Inútil! Pode? Até que foi legal. Nem eu nem ele sabíamos 
exatamente o que era "o beijo". Só de filme. Estávamos virgens nesse assunto, e 
morrendo de medo. Mas aprendemos. E foi assim...
Não sei se numa aula de Biologia ou de Química, o Culta tinha me mandado um dos 
seus milhares de bilhetinhos:
"Você é a glicose do meu metabolismo.
Te amo muito!
Paracelso"
E assinou com uma letrinha miúda: Paracelso. Paracelso era outro apelido dele. Assinou 
com letrinha tão minúscula que quase tive dó, tive pena, instinto maternal, coisas de 
mulher... E também não sei por que: resolvi dar uma chance pra ele, mesmo sem saber 
que tipo de lance ia rolar.
No dia seguinte, depois do inglês, pediu pra me acompanhar até em casa. No ônibus, 
veio com o seguinte papo:
- Um beijo pode deixar a gente exausto, sabia? - Fiz cara de desentendida.
Mas ele continuou:
- Dependendo do beijo, a gente põe em ação 29 músculos, consome cerca de 12 calorias 
e acelera o coração de 70 para 150 batidas por minuto. - Aí ele tomou coragem e pegou 
na minha mão. Mas continuou salivando seus perdigotos:
- A gente também gasta, na saliva, nada menos que 9 mg de água; 0,7 mg de albumina; 
0,18 g de substâncias orgânica; 0,711 mg de matérias graxas; 0,45 mg de sais e pelo 
menos 250 bactérias...
Aí o bactéria falante aproximou o rosto do meu e, tremendo, tirou seus óculos, tirou os 
meus, e ficamos nos olhando, de pertinho. O bastante para que eu descobrisse que, sem 
os óculos, seus olhos eram bonitos e expressivos, azuis e brilhantes. E achei gostoso 
aquele calorzinho que envolvia o corpo da gente. Ele beijou a pontinha do meu nariz, 
fechei os olhos e senti sua respiração ofegante. Seus lábios tocaram os meus. Primeiro 
de leve, depois com mais força, e então nos abraçamos de bocas coladas, por alguns 
segundos.
E de repente o ônibus já havia chegado no ponto final e já tínhamos transposto , juntos, 
o abismo do primeiro beijo.Desci, cheguei em casa, nos beijamos de novo no portão do prédio, e aí ficamos 
apaixonados por várias semanas. Até que o mundo rolou, as luas vieram e voltaram, o 
tempo se esqueceu do tempo, as contas de telefone aumentaram, depois diminuíram...e 
foi ficando nisso. Normal. Que nem meu primeiro beijo. Mas foi inesquecível!

BARRETO, Antonio. Meu primeiro beijo. Balada do primeiro amor. São Paulo: FTD, 
1977. p. 134-6.
Extraído de http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=22430

Texto: o primeiro beijo, de Antonio Barreto

·        professora: Inajara Garijo Facchini

·         Público Alvo: 8ª série

·         Expectativas :  levantamento de hipóteses a partir de frases do texto, antecipação de tema, provável e adequado título para o texto e checagem final da compatibilidade das hipóteses, estimular a leitura por prazer, sem a necessidade de atividade final escrita.

·         Material : caixinha, seleção de frases aleatórias do texto.

·         Estratégia:

   Antes da leitura

1.     Explicar aos alunos que vamos fazer uma atividade de leitura diferente, partindo de uma brincadeira de “batata- quente” ;
2.    Iniciar a brincadeira com música e a caixinha percorrendo a sala, quando a musica parar,o aluno que estiver seguram a caixa, vai abri-la, pegar uma frase de dentro, lê-la a classe e dizer  sobre o que acha que vai falar o texto. Nesse momento o professor vai anotando na lousa as hipóteses levantadas.
3.    Continuar com a brincadeira e levantamento de hipóteses, sem falar o título ou o gênero do texto.

Durante a leitura

4.    O professor irá iniciar a leitura do texto, sem informar o título. Paradas estratégicas poderão ser feitas no decorrer da leitura para comentários ou antecipação do texto, por parte dos alunos.

Após a leitura

5.    Ainda com as anotações feitas na lousa, as hipóteses prévias serão relidas e averiguadas, se confirmadas ou não;
6.    Questionar os alunos sobre um título possível para o texto;
7.    Enfim o titulo é revelado e se propõe um levantamento pelos alunos, ou por conhecimento prévio ou pesquisa de outros textos de diversos gêneros que falam sobre o “ primeiro beijo”.

·         Tempo previsto:  4 aulas (Juntando atividade de leitura e pesquisa de novos textos).



·         Avaliacão: individual e conjunta, interação e participação da atividade, levantamento de hipóteses e comparação com o texto, buscar intertextualidade em outros textos.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Felicidade clandestina - Clarice Lispector



Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.


Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Clarice Lispector
O Primeiro Beijo
São Paulo, Ed. Ática, 1996

Livro Fechado

Era uma vez um livro. Um livro fechado. Tristemente fechado. Irremediavelmente fechado.
Nunca ninguém o abrira nem sequer para ler as primeiras linhas da primeira página das muitas que o livro tinha para oferecer.
Quem o comprara trouxera-o para casa e, provavelmente insensível ao que o livro valia, ao que o livro continha, enfiara-o numa prateleira, ao lado de muitos outros.
Ali estava. Ali ficou.
Um dia, mais não podendo, queixou-se:
— Ninguém me leu. Ninguém me liga.
Ao lado, um colega disse:
— Desconfio que, nesta estante, haverá muitos outros como tu.
— É o teu caso? — perguntou, ansiosamente, o livro que nunca tinha sido aberto.
— Por sinal, não — esclareceu o colega, um respeitável calhamaço. — Estou todo sublinhado. Fui lido e relido. Sou um livro de estudo.
— Quem me dera essa sorte — disse outro livro ao lado, a entrar na conversa. — Por mim só me passaram os olhos. Página sim, página não… Mas, enfim, já prestei para alguma coisa.
— Eu também — falou, perto deles, um livrinho estreito. — Durante muito tempo, servi de calço a uma mesa que tinha um pé mais curto.
— Isso não é trabalho para livro — estranhou o calhamaço.
— À falta de outro… — conformou-se o livro estreitinho.
Escutando os seus companheiros de estante, o livro que nunca fora aberto sentiu uma secreta inveja. Ao menos, tinham para contar, ao passo que ele… Suspirou.
Não chegou ao fim do suspiro, porque duas mãos o foram buscar, ao aperto da prateleira. As mãos pegaram nele e poisaram-no sobre uns joelhos.
— Tem bonecos esse livro? — perguntou a voz de uma menina, debruçada para o livro, ainda por abrir.
— Se tem! Muitos bonecos, muitas histórias que eu vou ler-te — disse uma voz mais grave, a quem pertenciam as mãos que escolheram o livro da estante.
Começou a folheá-lo, e enquanto lhe alisava as primeiras páginas, foi dizendo:
— Este livro tem uma história. Comprei-o no dia em que tu nasceste. Guardei-o para ti, até hoje. É um livro muito especial.
— Lê — pediu a voz da menina.
E o pai da menina leu. E o livro aberto deixou que o lessem, de ponta a ponta.
Às vezes vale a pena esperar.

 António Torrado


HUMOR

Quem tem o hábito da leitura aumenta seu vocabulário, desenvolve a oralidade e transforma informação em conhecimento!


terça-feira, 4 de junho de 2013

LER E NÃO ENTENDER: A CHAGA QUE AFETA ATÉ A ELITE BEM FORMADA



O Indicador do Alfabetismo Funcional 2011-2012, do Instituto Paulo Montenegro em parceria com a ONG Ação Educativa, mostra que só 1 em cada 3 brasileiros (35%), e 2 em cada 5 com formação superior (38%) têm nível insuficiente em leitura. É gente que ocupa o refinado nicho das pessoas qualificadas do país, ocupando uma parcela significativa da população: simplesmente não entendem o que leem. Há também uma crise na escrita, uma incapacidade de expressão por meio de um texto, uma relação direta com o apagão da leitura no país. Os analfabetos funcionais representam 27% do país e menos da metade da população (47%) tem nível de alfabetização considerado básico.
Para Fernanda Cury, os dados demonstram que o Brasil avançou nos níveis iniciais de alafabetização, mas não conseguiu progressos visíveis nos níveis mais altos, que são a condição para inserção plena na cultura letrada. Segundo Manolo Florentino, do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no plano acadêmico a cadeia começa no ensino básico, depois na graduação e pós-graduação - tentando tapar buracos da formação dasetapas anteriores - revelando uma forte incapacidade de expressão: não fomos educados para leitura e nem para cultivar vocabulários e tão pouco temos o hábito de frequentar bibliotecas e como agravante, o livros são caros. Ela ajudou a criar o Inaf e comenta que "existe a necessidade de modelos flexíveis que permitam a qualquer brasileiro ampliar os estudos quando desejar, em distintas fases da vida".
O Ministério da Educação (MEC) avalia que o resultado é reflexo da exclusão histórica do brasileiro, dos séculos da  falta de investimento no acesso popular à educação. Os sistemas de ensino municipais e estaduais responsáveis pela oferta da educação básica, vêm buscando organizar a oferta de educação de jovens e adultos, mas enfrentam dificuldades em mobilizar o público devido a falta de atratividade: antigamente o foco era universalizar, hoje é a melhoria da qualidade de ensino.
O problema de leitura se agrava com as dificuldades pessoais provocadas pelo desenvolvimento inadequado de habilidades metacognitivas, ou seja, que ajudam a pessoa a dar-se conta de controlar seu processo de aprendizagem. Segundo Luciana Vellinho Corso (professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) as pesquisas mostram que os bons leitores utilizam estratégias cognitivas e mais adequada como:
a) Ler e checar se entendeu;
b) Fazer perguntas sobre o texto;
c) Ler novamente quando o texto deixa de ser entendido;
d) Destacar as ideias principais;
e) Repetir o que foi lido usando suas próprias palavras;
f) Grifar termos desconhecidos.
Saber que o ensino superior não melhora a condição intelectual de universitários é um dado preocupante para Antonio Xavier (professor de português e linguística da Universidade Federal de Pernambuco), não há relação direta entre alta escolaridade e sensibilidade aguçada para viver eticamente, daí a necessidade de que a capacitação interpretativa venha da iniciativa do Estado e da iniciativa privada e, logicamente, do próprio indivíduo. Para Anete Abramowicz (Departamento de teorias e práticas pedagógicas da Universidade Federal de São Carlos), o aumento do PIB é só parte do problema, além da reformulação dos currículos, a criação de uma carreira para docentes da escola básica e a garantia de infraestrutura na escola. O português é uma língua sofisticada, não há como exercitar a língua senão escrevendo e e lendo; além disso, os livros no Brasil são caros e deve-se estimular o gosto pelo livro.


Fonte: Revista Língua Portuguesa - Ano 8 - n° 83 -2012 - Trechos do artigo:O apagão da leitura por Adriana Natali